Geralmente descartado, resíduo da bebida tem importante potencial como matéria-prima sustentável no desenvolvimento de novos materiais
O que você faz com a borra do café? Esse resíduo, que costuma ser descartado pelas pessoas após o preparo da bebida, tem um grande potencial quando falamos de sustentabilidade e economia circular, podendo ser reutilizado para diversas finalidades.
Individualmente, é possível reaproveitar o material para fertilizar plantas, espantar insetos ou tirar odores da geladeira e de armários, mas ele também pode ser usado em larga escala para fabricar novos produtos. É o que algumas startups e grupos de pesquisa têm descoberto.
Na Argentina, a Etimo Biomateriales, por exemplo, recolhe a borra nas cafeterias de Buenos Aires, leva para o laboratório e transforma em copos, que depois voltam para os mesmos estabelecimentos para servir… café! Mais circularidade impossível.
Com a inovadora solução, dois problemas são resolvidos de uma só vez: o descarte do resíduo que deixa de ir para aterros sanitários e emitir gases de efeito estufa, e a redução do uso de copos descartáveis, já que os novos são reutilizáveis, totalmente biodegradáveis e compostáveis.
Segundo a empresa, uma cafeteria portenha descarta diariamente, em média, 5 kg de borra e mais de 100 copos plásticos, que não se degradam naturalmente nem são reciclados na capital argentina.
De volta à mesa
Especializada no desenvolvimento de biomateriais a partir de resíduos gastronômicos, a Etimo costuma trabalhar em parceria com estabelecimentos que produzem resíduos orgânicos e querem convertê-los em materiais biodegradáveis. O objetivo é criar itens que depois voltem para a mesa, e com estilo.
No caso do copo, ele inclusive foi desenhado em conjunto com baristas, para que fosse a melhor experiência possível para tomar um café.
“Não procuramos apenas gerar uma solução técnica em termos de recursos e gestão, mas também tornar a experiência com o produto agradável e enriquecedora. A borrade café é bonita, tem uma cor ótima, uma textura legal e o aroma gera uma experiência com o material”, disse Camila Castro Grinstein, fundadora da Etimo, ao site presenterse.com.
O projeto nasceu em 2021, quando a jovem designer ainda estava na faculdade, fazendo sua tese no curso de Design Têxtil. Ela, que sempre se interessou pelo desenvolvimento de materiais, buscava alternativas mais sustentáveis e, olhando para sua própria lixeira, teve a ideia.
“Com todo esse interesse pela sustentabilidade e pelo desperdício de alimentos, comecei a montar minha tese. Em todas as horas noturnas de estudo, percebi que gerava muito resíduo de erva-mate. Foi a primeira coisa com que trabalhei”, contou.
A partir desse primeiro experimento, o projeto do copo de café foi se aperfeiçoando e se tornou realidade este ano, recebendo diversos prêmios pelo mundo.
“Não existe material que por si só resolva tudo, um grande salvador para o plástico, mas geramos consciência e comunidade entre todas as pessoa que amam café e cafeterias, mais conscientes dos hábitos e da gestão de resíduos. Na circularidade todas as partes são enriquecidas”, comenta Camila.
Aditivo natural para o cimento
Outro exemplo de uso inovador do material vem da Austrália. Engenheiros da RMIT University descobriram uma maneira de melhorar o desempenho do concreto, tornando-o 30% mais resistente, usando borra de café.
Publicado em setembro no Journal of Cleaner Production, o estudo é o primeiro a provar que resíduos de café podem ser úteis para essa finalidade.
Para isso, eles passam por um processo chamado pirólise, que envolve a decomposição em altas temperaturas na presença controlada de oxigênio, resultando em uma biomassa de origem vegetal (biochar).
“A inspiração para o nosso trabalho foi encontrar uma forma de utilizar as grandes quantidades de resíduos de café em projetos de construção, em vez de irem para aterros sanitários – para dar ao café uma ‘dupla chance’ de vida”, disse Rajeev Roychand, pós-doutoando na RMIT e um dos autores do estudo.
Segundo a universidade, a Austrália gera 75 milhões de quilos de resíduos de café moído todos os anos – a maior parte vai para aterros sanitários.
“A eliminação de resíduos orgânicos representa um desafio ambiental, pois emite grandes quantidades de gases com efeito de estufa, incluindo metano e dióxido de carbono, que contribuem para as mudanças climáticas”, ressaltou Roychand no site da RMIT.
Preservação da areia
Além de poupar o descarte da borra de café, de acordo com líder da equipe de pesquisa, professor Jie Li, o uso da do material pode ainda substituir uma parte da areia usada para fazer o concreto, preservando esse recurso natural.
“A extração contínua de areia natural em todo o mundo, normalmente retirada de leitos e margens de rios, para atender às crescentes demandas da indústria da construção tem um grande impacto no meio ambiente”, explicou.
Segundo os pesquisadores, a indústria do concreto tem potencial para contribuir signifcativamente para o aumento da reciclagem de resíduos orgânicos, e o café usado é apenas um deles.
A pesquisa está nos estágios iniciais, mas diversos conselhos que combatem o descarte de resíduos orgânicos demonstraram interesse no trabalho. Agora, o próximo passo é desenvolver estratégias práticas de implementação e fazer testes de campo. Quem sabe nos próximos anos vamos viver em casas feitas com o que restou do preparo do cafezinho?
Enquanto esse dia não chega, evite jogar a borra no ralo da pia – prefira usá-la para adubar as plantas ou procure se informar sobre campanhas de coleta. Marcas de cápsulas de café, por exemplo, recolhem o resíduo e o encaminham para a compostagem.
Fonte: Exame
Fotos: Etimo/Divulgação
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