Biocarvão pode trazer ganhos à agricultura

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Em setembro, a fábrica em Lajinha, leste de Minas Gerais, da subsidiária brasileira da NetZero, empresa sediada em Paris, pretende começar a produção contínua de biocarvão com palha de café recolhida das fazendas de 400 cafeicultores da região. Os que forneceram a matéria-prima serão os primeiros a usar o pó preto como adubo em suas terras, esperando colher resultados ao menos semelhantes aos obtidos em experimentos feitos em pequena escala por centros de pesquisa do Brasil e de outros países.

O também chamado biochar é produzido por meio do aquecimento sem oxigênio em fornos chamados pirolisadores de resíduos agrícolas, entre eles espiga de milho, casca de babaçu, arroz e algodão, serragem e restos de madeiras, açaizeiros e dendezeiros. A mesma planta pode gerar materiais com composição química e propriedades próprias. Um artigo de março na Brazilian Journal of Animal and Environmental Research mostrou que o biocarvão feito com Phyllostachys aurea, espécie exótica de bambu, tem teoes de carbono mais altos que o de Guadua sp., espécie nativa de bambu, ambas comuns no sul do país.

Em estudos controlados feitos nos últimos 10 anos, essas formulações aumentaram a produtividade agrícola em até 50%, o crescimento das raízes em 30% e o dos brotos em 45%. Também favoreceram a absorção de nutrientes, reduziram em cerca de 20% o uso de fertilizantes químicos e ajudaram o solo a reter água e contaminantes. O biocarvão tem sido bastante valorizado, ainda, por causa de sua capacidade de sequestrar – ou, literalmente, enterrar – carbono, o elemento químico mais abundante em sua composição.

Inaugurada em abril, a fábrica de Lajinha é a primeira em escala comercial do Brasil. Construída com tecnologia própria em um terreno cedido pela Cooperativa dos Cafeicultores da Região de Lajinha (Coocafé), tem capacidade de produção de 4,5 mil toneladas (t) de biocarvão por ano, ainda pouco diante dos 42 milhões de t de fertilizantes que o Brasil consome a cada ano. Parte do biocarvão eguirá sem custos para os fornecedores da matéria-prima, que poderão comprar o restante com desconto.

“A comercialização de créditos de carbono viabilizou nosso modelo de negócio, porque pode subsidiar o preço de venda do biocarvão, que não dá para ser alto”, declarou o empresário francês Olivier Reinaud, cofundador da NetZero, a Pesquisa FAPESP. Segundo ele, o banco franco-britânico Rothschild e a consultoria norte-americana Boston Consulting Group já compram os créditos gerados pelo biocarvão produzido em uma fábrica inaugurada em janeiro de 2022 em Camarões, na África, também com resíduos de café. “Os créditos correspondem à cerca de metade de nossa receita”, informou ele em um comunicado da empresa.

Produto aplicado em uma lavoura de milho.
Produto aplicado em uma lavoura de milho. Imagem: Aline Peregrina Puga
A Aperam BioEnergia, produtora de carvão vegetal em Minas Gerais, anunciou em maio que havia vendido 921 contratos de remoção de carbono, cada um correspondendo à retirad de 1 t de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera. De acordo com um comunicado da Aperam, a meta é produzir 40 mil t de biocarvão por ano, o que representaria uma receita próxima a R$ 40 milhões.

Empresas europeias produziram cerca de 21 mil t de biocarvão em 2020 e as Estados Unidos 45 mil t em 2017 e em 2018, podendo ter chegado a 70 mil t nos anos seguintes. O mercado global de biocarvão pode chegar a US$ 205 milhões neste ano e US$ 587 milhões em 2030, com um crescimento anual de 13%, estima a organização não governamental Earth.

Se usado intensivamente em todo o mundo, o biocarvão poderia remover entre 1,3 bilhão e 3 bilhões de t de CO2 até 2050, de acordo com o Projeto Drawdown, movimento que busca soluções para enfrentar a emergência climática e ambiental. Apesar da perspectiva positiva, o engenheiro químico Henrique Poltronieri Pacheco, do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ), recomendaprudência com as estimativas sobre sequestro de carbono.

“Sem uma análise completa da pegada de carbono, do berço ao túmulo, como dizemos, não é possível dizer que o biocarvão está efetivamente sequestrando carbono”, ressalta. Além disso, a redução de emissões com o biocarvão pode variar muito, em razão da matéria-prima usada em sua produção, da dose aplicada e do tipo de solo.

Biocarvão em grãos
Em 2018, no primeiro de dois projetos apoiados pelo programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP, o administrador Braulio Pereira Neto, à frente da Carbosolo, lidava com o biocarvão tradicional, formado por partículas de tamanhos diferentes. Havia um problema: as mais finas voavam facilmente quando aplicadas no solo. Aborrecido com o pó se espalhando, ele desenvolveu um fertilizante extrudado – ou granulado – com biocarvão. A nova apresentação facilita a aplicação e evita que as partículas cheguem aos pulmões de quem a manipula.

Fábrica de biocarvão da NetZero em Lajinh, Minas Gerais, feito com palha de café
Fábrica de biocarvão da NetZero em Lajinha, Minas Gerais, feito com palha de café. Imagem: Gil Silva / Netzero
Duas matérias-primas apresentaram os melhores resultados: um revestimento dos aviários conhecido como cama de frango, formado por palha de arroz ou serragem, restos de ração e dejetos das aves; e o bagaço moído da cana-de-açúcar, chamado de torta de filtro, resíduo da produção de açúcar e etanol. O material é pirolisado a temperaturas próximas a 400 graus Celsius (oC) e submetido a um banho em uma solução com nitrogênio, fósforo ou potássio, os nutrientes básicos das plantas.

“Os nutrientes entram pelos poros e aderem à superfície do biocarvão, que depois é revestido com um polímero à base de amido”, descreve Pereira Neto. O engenheiro-agrônomo Cristiano Andrade, da Embrapa Meio Ambiente, em Jaguariúna, interior paulista, apresenta outra possibilidade: “Por ser muito poroso, o biocarvão também poderia levar microrganismos que ajudam as lantas a crescerem”.

Andrade coordenou os testes em campo de 17 tipos de biocarvão da Carbosolo, com teor de nitrogênio entre 3% e 38%, comparados com a ureia, com até 45% desse elemento químico. As formulações com biocarvão se mostraram mais eficientes, por liberarem nitrogênio 60% mais lentamente. Como descrito em um artigo de fevereiro de 2020 na revista Science of the Total Environment, propiciaram ganhos de até 21% na produtividade do milho e de 12% na eficiência de uso do nitrogênio pelas plantas.

A Carbosolo e a NetZero pretendem estimular a produção regional de biocarvão em cooperativas ou associações de agricultores, com matéria-prima local, para manter os custos e o preço final baixos. Pereira Neto propõe uma descentralização ainda maior: “Os pequenos agricultores também poderiam fazer biocarvão, com fornos de barro, controlando a temperatura”.

Pacheco reconhece: “O biocarvão é uma solução descentralizada, com alta flexibilidade do ponto de vista geográfico”. Em um experimnto recente, seu grupo fez a pirólise da casca do fruto de cacaueiros trazida do Espírito Santo e surpreendeu-se ao ver que o biocarvão continha 70% de potássio, um importante nutriente para as plantas, em massa seca.

Imagens de microscopia eletrônica de varredura: biocarvão de borra de café (ampliado 150 vezes, à esq.) e de eucalipto (ampliado 800 vezes, no meio, e 2 mil vezes, à dir.)
Imagens de microscopia eletrônica de varredura: biocarvão de borra de café (ampliado 150 vezes, à esq.) e de eucalipto (ampliado 800 vezes, no meio, e 2 mil vezes, à dir.). Imagem: Carbosolo / Admilton Gonçalves de Oliveira Junior-UEL
O forno deve ser bem cuidado. “Não pode ter vazamento ou entrada de ar, porque o oxigênio extra, que não é liberado pela matéria-prima, vai queimar, em vez de decompor o material, e potencialmente formar compostos nocivos, como dioxinas e furanos”, alerta Pacheco. Segundo Reinaud, o processo industrial ajuda a controlar a pirólise do biocarvão.

“Ainda temos um gargalo”, omenta Andrade. “Faltam fornos maiores, que possam funcionar de modo contínuo, com uma rosca sem fim, e não em bateladas, de acordo com a capacidade do forno.”

Andrade começou a pesquisar biocarvão em 2012 por duvidar de seus potenciais benefícios, mas depois se convenceu. Com colegas do Instituto Agronômico (IAC), de Campinas, verificou que esse material pode ser útil também para remover contaminantes do solo, como descrito em um artigo de maio na Environmental Geochemistry and Health.

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